As mulheres detentas do Brasil, de acordo com pesquisas e relatórios apresentados pelo Ministério da Justiça, possuem um perfil muito claro: são em sua maior parte pobres, de baixa escolaridade e negras. Há ainda outra característica: estão presas porque se envolveram com o tráfico de drogas. O que não se divulga, porém, de acordo com os que conhecem algumas dessas mulheres de perto, é que na maior parte dos casos elas são mulheres, filhas, irmãs de traficantes e se envolveram com o mundo da criminalidade por causa desses laços familiares, muitas vezes sem nem mesmo ter uma recompensa financeira como acontece com os homens do tráfico. E é pra mostrar um pouco dessas mulheres, que mais uma vez o projeto ‘À flor da pele’ está lançando uma publicação.
Foto: Luana Ciecelski |
O projeto, uma iniciativa da poetisa vera-cruzense Marli Silveira, iniciou em 2012 e consiste em uma aproximação das detentas do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul para realização de atividades, principalmente voltadas para a escrita, que possibilitem a essas mulheres uma forma de se expressar. Em anos anteriores, a publicação era uma revista, que levava o nome do projeto. Em 2017, é um livro que está sendo lançado, o ‘Entre Peles e Poesias’, organizado pela própria Marli e editado pela Edunisc. O lançamento acontece nesse sábado, 1º de abril, durante um sarau poético que inicia a partir das 17 horas no Arte & Café.
O livro contém poemas, crônicas, pensamentos e cartas, escritos entre 2012 e 2015 por cerca de 30 mulheres. Além disso, dentro das 64 páginas há ainda um texto de Marli, onde ela fala sobre sua experiência com as detentas e um prefácio escrito pelo escritor e poeta moçambicano Mia Couto. “A gente tentava lançar a cada ano uma publicação, reunindo textos, cartas, poemas dessas mulheres, e no ano passado eu apresentei esse projeto para a Edunisc, para lançar como livro. Logo em seguida convidei o Mia Couto para escrever o prefácio do livro. Ambas as ideias tiveram êxito e agora estamos lançando essa obra”, conta.
Mais visibilidade
O resultado da compilação de textos, segundo Marli, tem a ver justamente com o nome que foi dado a ele. “Tem a ver com a ideia do encontro, com essa ideia de estar com as mulheres detentas. Então, entre peles e poesias. Entre contato, toque, afeto. E a forma delas contarem a si mesmas”, esclarece. Dessa forma a organizadora acredita que a obra atinge seu objetivo máximo, que é o de dar mais visibilidade a essas mulheres, de mostrar a realidade delas pela visão delas próprias. Mostrar além da detenta que foi privada de liberdade porque cometeu algum crime, e assim tentar mudar um pouco a cultura do pré-julgamento que se costuma fazer.
Marli, aliás, aponta que a partir de sua experiência foi possível perceber que é justamente esse julgamento que mais pesa nessas mulheres. Elas se envolvem com o crime da mesma forma que os homens, mas dentro dos presídios e depois, fora deles, elas são ainda mais excluídas pela sociedade. “Muitas delas são abandonadas até por suas famílias”, diz Marli. “Existe a crença de que a mulher, mãe, filha, não comete crimes. Então essas mulheres são muito mais julgadas. A moral recai sobre seus ombros com muito mais força do que recai sobre os homens. São ainda mais cobradas pelos outros e por si próprias”.
Promover o debate
O objetivo do livro, portanto, não é o de causar pena, mas o de suscitar um debate. Por isso ele também não será comercializado normalmente. Marli esclarece que, aqueles que tiverem interesse em conhecer a obra, poderão procurá-la em saraus que serão promovidos, eventos em escolas e instituições. Também é possível encontrar o livro direto com a organizadora. “Para algumas instituições, como escolas, é possível que a gente faça alguma doação. Mas não estabelecemos um valor de venda. Não é isso que queremos”, explica.
Segundo ela, essa decisão foi tomada porque Marli considera fundamental que as pessoas que tiverem acesso ao livro, tenham acesso também a um contexto. “Queremos levar o livro e falar sobre isso. Incentivar a discussão sobre o tráfico de drogas. Sobre a discriminação. Sobre a questão da mulher”. E é isso que Marli pretende passar aos que participarem dos saraus, a começar pelo sarau de lançamento, nesse sábado.
Ainda no sábado, no mesmo sarau poético, o professor da Universidade de Santa Cruz do Sul, Edison Botelho, também estará lançando sua obra poética ‘A vida na ponta dos dedos’. A entrada é franca e o evento contará ainda com música de Roberto Pohlmann.
Tudo, todos
Na prisão não temos escolhas,
somos um nada sem rumo,
mas quê escolhas têm
os que estão soltos no mundo?
Olho para a claridade,
que cisma entrar pela janela,
e o feito da luz ilude meus sentidos,
não posso ir ao encontro da rua.
Estamos todos presos,
ninguém escapa ao domínio alheio,
fingimos ser livres, usamos máscaras
o mundo é um presídio falsificado.
- Maria
SERVIÇO
O quê: sarau de lançamento do livro ‘Entre Peles e Poesias’ (Edunisc, 64 páginas), organizado por Marli SilveiraQuando: neste sábado, 1º de abril
Onde: no Arte & Café – Rua Senador Pinheiro Machado, 1171
Horário: a partir das 17 horas
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