Pular para o conteúdo principal

Sobre escrever nos livros

Algumas pessoas não gostam de escrever em livros, abominam a ideia de um cantinho de página dobrado, de risquinhos sublinhando palavras ou qualquer outro tipo de "vandalismo" com os livros. Alguns gostam de manter seus livros intactos, limpinhos, sem nenhum tipo de marca, como se fossem novos. É uma espécie de homenagem que esperam fazer aos livros mantendo-os assim. Uma forma de mostrar que gostam deles, que querem o bem deles. Que os querem conservados para toda a eternidade. Fiz isso com muitos dos meus livros. 

Mas de uns tempos pra cá eu venho refletindo sobre a arte de rabiscar em livros, e há alguns dias lendo uma obra retirada na biblioteca da universidade aqui da cidade, essa minha reflexão ficou mais forte. Em vários trechos do livro, eu já tinha reparado alguns rabiscos, aqui e ali, círculos em torno de frases, sublinhados e até anotações. Hoje reparei também que a pessoa que leu esse livro antes de mim fez uma tentativa de transformar a leitura em algo ainda mais interessante. Vejam só a seguinte imagem:



No livro da imagem - "Na natureza selvagem" de Jon Krakauer -, a cada início de capítulo há um trecho de outro livro, reportagem, ou mesmo do diário da personagem principal. Sempre textos relacionados à história. Abaixo desse texto sempre há uma descrição, uma explicação sobre o porque de ele estar ali. No início do 11º capítulo, a explicação diz que aquele texto - um trecho de Doutor Jivago - foi "sublinhado em um dos livros encontrados com os restos de Chris McCandless", e que as palavras "necessidade de um objetivo" estavam escritas com a letra de McCandless na margem acima do texto. 

Foi exatamente o que o leitor anterior do livro fez. Escreveu as mesmas palavras na margem acima do texto, tornando a leitura mais vívida. É quase como se tu estivesse folheando as páginas dos livros do próprio Chris McCandless, a personagem da história. E não só nesse capítulo eu encontrei inscrições como essa. 

Por isso disse que minha reflexão sobre escrever em livros ficou mais forte. Esse não é o primeiro livro rabiscado que eu pego na vida e eu já tinha me dado conta de que muitas vezes, algum leitor fez alguma anotação referente a alguma reflexão dele durante a leitura, e que essas anotações, muitas vezes podem nos ajudar a aprofundar a nossa própria reflexão. 

Às vezes eu não cheguei àquela mesma conclusão - do leitor anterior. Às vezes eu não cheguei à conclusão nenhuma. Mas lendo a anotação de outro, um mundo todo de ideias se abre. As engrenagens funcionam com mais intensidade. E isso é incrível, não é?! 

Então, eu me peguei pensando que, ok, tudo bem a gente querer nossos livros intactos porque amamos eles, e porque gostaríamos que eles se mantivessem lindinhos por todo o sempre - até porque eles são caros no Brasil, né?! - mas talvez, TALVEZ, os livros tenham mesmo sido feitos para serem riscados. 

Eu já tinha ouvido alguém falar isso e, apesar de eu não ser muito "a louca do livro intacto" na época eu não concordei muito. Pensei que eu não gostaria de fazer isso. Mas ultimamente eu tenho adotado a técnica, e confesso: não doeu e nem caiu um pedacinho meu. Na verdade foi muito bom, porque depois, quando voltei àquelas páginas, as minhas reflexões estavam ali, e voltaram todinhas para mim. 

É claro que você também pode utilizar post-its se não quiser escrever no livro diretamente. E eu acho isso bem digno, na verdade. Também quero deixar claro que uma coisa é fazer anotações e outra coisa é fazer rabiscos que impeçam a leitura por outras pessoas. Isso já é egoísmo, falta de educação. 

Também não acho que você deva sair por ai fazendo anotações em todas as páginas, sobre todos os pensamentos que passam por sua cabeça durante a leitura e quase escrever um novo livro em cima daquele. Isso deve ser dosado, gente. São palavras, expressões. AQUI E ALI, compreendem? É disso que eu falo. De um apontamento no cantinho. 

Da mesma forma as marcações de capas e de páginas deixaram de me incomodar. De certa forma, agora percebo, que elas contam a história daquele livro. Mostram que foi lido intensamente. Que alguém, ou até mesmo "alguéns", aproveitaram as palavras contidas nele. Carregaram esse livro por ai em suas bolsas e mochilas, porque gostaram de lê-lo. 

Eu me dei conta de que talvez, os livros, se tivessem sentimentos como os das pessoas, talvez gostassem mesmo é de ser marcados. Porque significa que ficaram menos em uma prateleira e mais circulando pelo mundo. Porque significa que cumpriram seu papel de passar conhecimento ao mundo. Foram lidos. 

Então viva os rabiscos e as marcas nos livros!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

In memorian

Santa Cruz do Sul perdeu, no último fim de semana o maior incentivador da leitura que eu tive o prazer de conhecer e também um escritor. Aliás, pra mim, o melhor de todos, porque era ele o meu avô. Pensando em homenageá-lo, e também em manter viva a memória dele, eu escrevi algumas coisas. É uma espécie de carta, eu diria. Uma mensagem para ele. Uma mensagem de aniversário, aliás, porque nessa quarta-feira, dia 11 de setembro de 2019, ele estaria completando 83 anos. Segue abaixo. Oi Vô,  Não faz muito tempo que tu desencarnaste e nós todos ainda estamos digerindo a tua partida desse plano material para o plano espiritual. Desde cedo, porém, eu senti dentro de mim uma necessidade muito grande de falar sobre a pessoa que tu foi, de te homenagear. Porque fostes grande, gigante na verdade, de espírito, de coração e de pensamentos. Para muitas pessoas tu eras o professor. O foste profissionalmente durante muitos anos, quando eu ainda nem sonhava em existir. Mas foste ta...

Coleção "A vida no mundo espiritual" do André Luiz: ordem de leitura

Hello! Recentemente fiz um post falando sobre as tantas leituras que eu tenho vontade de fazer ao longo de 2022. E falei lá que é difícil eu conseguir fazer todas elas, que tenho consciência disso. Mas tem um item da lista em especial que eu considero um pouquinho mais prioritário . Estou falando das leituras espíritas . Eu estou concluindo a leitura da série de romances históricos ditados por Emmanuel para Chico Xavier (em breve faço um post sobre eles) e ainda não tinha decidido exatamente como dar sequências às minhas leituras, mas já naquele post comentei sobre a possibilidade de dar início a uma nova série de leituras, talvez num tom de um novo desafio para mim mesma .  E estava pensando na coleção "A vida no mundo espiritual" do André Luiz .  Recentemente decidi que, sim, será por ela que vou seguir.  Então, resolvi fazer esse post. Não apenas por uma questão de organização minha, mas também pra deixar a sugestão de leitura a quem, eventualmente, também tenha intere...

Lendo 'As Crônicas de Nárnia' #3 - O cavalo e seu menino

Olá pessoal, como vão? No post de hoje, vou dar continuidade ao projeto de leitura sobre "As Crônicas de Nárnia". A terceira crônica lida foi "O cavalo e seu menino", que possui 15 capítulos totalizando 89 páginas. Confesso que essa era uma história totalmente desconhecida pra mim. Por algum motivo, diferentemente de outras crônicas, ela não foi adaptada para o cinema. Na minha humilde opinião, porém, ela poderia  ser tão bem explorada quanto as demais. Capa da edição individual das crônicas - Foto: Divulgação A história começa numa pobre vila de pescadores na distante Calormânia, um lugar ao sul do grande deserto que, por sua vez, fica ao sul da Arquelândia. Nesse vilarejo vive, entre outras pessoas, um menino chamado Shasta e seu violento pai, que lhe aplica surras mais ou menos fortes, de acordo com a sorte da pescaria. Certo dia aparece nesse local um tarcaã - espécie de guerreiro nobre - montado em "um grande cavalo malhado, de crina esvoaçant...