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Papisa Joana | Donna Woolfolk Cross | Leitura de Julho

Quantas Joanas será que já existiram? E quantas, de certa forma, não existem até hoje? É com essa reflexão que terminei a leitura do livro Papisa Joana, da Donna Woolfolk Cross. O livro conta a história de uma mulher que se passou por homem durante praticamente toda a vida para escapar da proibição imposta às mulheres de estudar. Baseada em fatos reais, ou pelo menos em uma lenda, o enredo se passa no século IX.

Trata-se de um romance histórico, eu diria. Para escrevê-lo a autora pesquisou sobre durante 10 anos e se debruçou sobre toda e qualquer evidência da real existência e das lendas relacionadas a uma mulher que teria sido papa em meados dos anos 800, com o nome de João Ânglico. Com base nessas pesquisas e com boas doses de romanceação, Donna de certa forma nos conta a biografia dessa personagem, desde sua infância (parte mais romanceada) até os seus dias como Papa (período mais documentado).

A história nos apresenta à jovem Joana que chegou ao posto de Papa sob o nome de João Ãnglico
Foto Luana Ciecelski

Não vejo problema em resumir aqui sua história porque ela não é necessariamente um segredo. Basta algumas pesquisas no Google para tomar conhecimento sobre os principais fatos. De acordo com a lenda, Joana foi uma mulher nascida em uma região onde hoje é a Alemanha (Francônia). Lá pelas tantas, ela teria fugido de casa e passado a utilizar o nome de seu irmão - João - para poder estudar. Na época, a educação era proibida às mulheres, e as escolas pertenciam todas à Igreja - de uma forma geral, só estudavam aqueles que tinham em mente ser sacerdotes ou militares - e ela acabou conseguindo uma vaga em mosteiro por suas grandes habilidades e conhecimentos aprendidos de forma quase que autodidata durante sua infância. 

Graças a essa sua grande facilidade para aprender, dentro do próprio mosteiro ela logo se destacou. Com o tempo ela também adquiriu conhecimentos na área de saúde e chamou a atenção também por suas habilidades de cura, tornando-se aprendiz do padre que era considerado o médico. Mas ela não continuou no mosteiro por toda a sua vida. No livro, sua saída é explicada por uma doença. Na eminência de ser examinada e descoberta como mulher ela foge, é acolhida por velhos amigos em um vilarejo distante em alguns quilômetros e esses a incentivam a ir até Roma onde passaria mais despercebida por causa da população maior.

É o que ela faz, e assim ela acaba na grande e histórica cidade, lar dos Papas há centenas de anos. Lá ela consegue vaga para estudar em uma escola Inglesa por causa do "sobrenome" que adquiriu no mosteiro "Ânglico", dado a ela em função de sua aparência. Nessa escola ela desenvolve ainda mais seus conhecimentos como médica e logo se destaca. Certo dia, o Papa Sérgio passa mal e diante da falta de resultados dos tratamentos toscos de seus médicos pessoais, João Ânglico (Joana) é chamado para atendê-lo. 

A partir de então se inicia uma relação com esse Papa, e quando Leão IV assume o posto, ela não só continua próxima do papado, como também atua junto dele, auxiliando a resolver demandas junto à população. É assim que João Ânglico se torna extremamente popular em Roma e quando Leão IV morre, ele (ela) é eleito por aclamação.

Praça São Pedro em Roma, nos dias atuais
Foto: Divulgação

Segundo os parcos registros históricos que sobreviveram através dos séculos, ela teria governado Roma como Papa por cerca de dois ou três anos até que, certo dia, durante uma procissão, teria passado mal e dado à luz a uma criança natimorta, morrendo também logo em seguida. Essa criança seria filha do comandante da guarda papal, um homem por quem ela se apaixonou. No livro, esse homem é um militar, mas Donna o apresenta como um velho amor de Joana, que ela reencontra quando já está em Roma. 

REFLEXÕES

Um dos aspectos mais importantes desse livro, entretanto, são os questionamentos que ele levanta. Um deles está relacionado ao tratamento dispensado às mulheres em toda a história da humanidade, e principalmente durante a Idade Média. Nesse período, mulheres eram propriedades dos homens e tinham menos direitos do que crianças do sexo masculino. Eram tratadas quase da mesma forma que animais e violências contra elas não só eram permitidas como eram até mesmo incentivadas – e muitas vezes pela própria Igreja – afinal, elas deviam ser controladas por seus pais e maridos. Ainda hoje, aliás, mulheres não possuem cargos de grande importância na religião Católica.

O mais importante, porém, é o questionamento relacionado ao que se exige das mulheres para que elas conquistem aquilo que desejam. No caso de Joana ela foi obrigada a se vestir, a agir e fingir ser um homem, mas isso também pode ser visto como uma metáfora, porque há diferença no tratamento entre homens e mulheres, sim.

Na história de Joana, a maior parte das pessoas tem a crença de que mulher não é dotada de inteligência, se não para o mal. Em muitos momentos a própria Joana reflete sobre isso, pensando no que diriam as pessoas se soubessem que ela é uma mulher. Pensando nela como um homem eles a elogiam, a engrandecem, a consideram quase como um gênio, mas se soubessem a verdade, o tratamento seria muito diferente.

Isso é visto ainda hoje. É visível como homens menos competentes são melhor vistos do que muitas mulheres mais capazes. As mulheres estudam mais, trabalham mais e ainda assim recebem salários mais baixos na maior parte dos casos. Na ciência, leva muito tempo para uma mulher ser reconhecida. E em outras áreas também, né?! E bom... por ai vai. Só queria citar alguns exemplos.


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