Oiie pessoal, tudo bom?
No post de hoje eu vou conversar com vocês a respeito do livro “As Cidades Invisíveis” do Italo Calvino. Eu fiz essa leitura entre o fim de dezembro e o início de janeiro para o Clube Leitura Admirável Livro Novo, do qual participo aqui na minha cidade, e queria compartilhar com vocês o que achei dele. Vamos lá?
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Uma das edições do livro, disponíveis atualmente |
Bom, quando conversei com minhas amigas do clube a respeito desse livro descobri que ele é do tipo que ou você adora ou você não gosta mesmo. Eu, particularmente passei por todos esses sentimentos com ele. Vou explicar.
Acontece que num primeiro momento, eu comecei a leitura e senti muita dificuldade de me prender a ela. Isso porque cada capítulo (e são capítulos pequenos) traz informações de uma cidade diferente. Isso torna muito difícil uma memorização da história, porque quase não há uma. Você lê algumas páginas e se sente um pouco frustrado, porque cada cidade tem um nome e determinadas características, e você não consegue (por mais que tente) memorizar todas elas. Você vai lembrar, no máximo, de alguma cidade preferida.
Sentir isso foi bastante ruim e quase me fez desistir da leitura. E boa parte das integrantes do clube relataram o mesmo sentimento. No entanto, eu preciso dizer: insistam um pouco, ou então, deem um tempo para esse livro e depois o retomem. Foi o que eu fiz e deu certo.
Quando peguei ele novamente, eu comecei do zero e com uma postura totalmente diferente. Isso porque naquele período da pausa eu me dei conta de que esse é um livro que precisa ser lido de uma forma diferente. Ele não é pra ser memorizado, cidade por cidade, característica por característica. Ele é para ser degustado. Cidade por cidade. Com uma leitura pausada.
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Esse é o tipo de livro que eu indicaria para as férias, sabe? Porque é daquelas leituras que tu precisa fazer com toda a calma do mundo, pegando um ou dois capítulos por dia e mergulhando na leitura durante alguns minutos. Mas mais do que isso, esse é uma leitura pra te fazer pensar. Você deve andar com ela em sua mente muito depois de ter terminado o capítulo e de ter largado o livro. Se você se propôr e se permitir isso, então você entenderá essa leitura e também vai achá-la incrível.
Por que sim! A leitura desse livro pode ser uma experiência incrível.
Eu particularmente passei o tempo inteiro me perguntando “o que o autor quis dizer com isso?”. E então me vinham muitas respostas possíveis algumas vezes e em outras eu não soube ao certo o que responder. Em muitas ocasiões ele também levanta dúvidas. No Clube de Leitura, por exemplo, nos pegamos pensando o seguinte: “o autor compara cidades a pessoas o tempo inteiro no livro, então, se nós fossemos uma cidade, qual seríamos?”. Quem quiser responder aí nos comentários, fique à vontade.
Além disso, não posso deixar de dizer, a linguagem utilizada nesse livro é simplesmente linda. Linda mesmo. Onírica. Poética. Sempre ficamos com a sensação de que há algo por trás daquilo que está se dizendo literalmente.
Enredo diferente
Como eu falei ali em cima, esse livro quase não tem uma história, na maior parte dos capítulos, mas por trás das narrativas de cada uma das 55 cidades que são citadas, há sim, um enredo. Ele traz diálogos entre o famoso mercador e explorador Marco Polo (nascido em 1254 em Veneza, na Itália e cujas aventuras estão registradas no livro As Viagens de Marco Polo) e Kublai Khan (o quinto cagano do Império Mongol, de 1260 a 1294, e o fundador da dinastia Yuan, que dominou grande parte da Ásia Oriental).
Dessa forma, o livro é dividido em capítulos onde Polo narra para Khan as características de diversas cidades do ocidente, cidades conquistadas por Khan e pelo Império Mongol; e capítulos em que eles conversam sobre essa narrativas e sobre essas cidades, refletindo sobre elas e tecendo comentários - bastante filosóficos até, como mostra o trecho abaixo:
"KUBLAI: não sei quando você encontrou tempo de visitar todos os países que me descreve. A minha impressão é de que você nunca saiu deste jardim.POLO: todas as coisas que vejo e faço genham sentido num espaço da mente em que reina a mesma calma que existe aqui, a mesma penumbra, o mesmo silêncio percorrido pelo farfalhar das folhas. No momento em que me concentro para refletir, sempre me encontro nesse jardim, neste mesmo horário, em sua augusta presença, apesar de prosseguir sem um instante de pausa a subir um rio verde de crocodilos ou a contar os barris de peixe salgados postos na estiva.KUBLAI: eu também não tenho certeza de estar aqui, passeando em meio às fontes de pórfido, escutando so ecos dos jorros de água, e não cavalgando embebido de suor e sangue à frente do meu exército, conquistando os países que você irá descrever, ou decepando os dedos dos agressores que escalam a muralha de uma fortaleza assediada.POLO: talvez esse jardim só exista à sombra das nossas pálpebras cerradas e nunca tenhamos parado: você, de levantar poeira dos campos de batalha, e eu de negociar sacas de pimenta em mercados distantes, mas, cada vez que fechamos os olhos no meio do alvoroço ou da multidão, podemos nos refugiar aqui vestidos de quimonos de seda para avaliar aquilo que estamos vivendo, fazer as contas, contemplar a distância.KUBLAI: talvez esse nosso diálogo se dê entre dois maltrapilhos apelidados Kublai Khan e Marco Polo que estão revolvendo um depósito de lixo, amontoando resíduos enferrujados, farrapos, papel, e, bebados com poucos goles de vinho de má qualidade, vêem resplender ao seu redor todos os tesouros do Oriente.POLO: talvez do mundo só reste um terreno baldio coberto de imundícies e o jardim suspenso do paço imperial do Grande Khan. São as nossas pálpebras que os separam, mas não se sabe qual está dentro e qual está fora."
É importante destacar que todas as cidades citadas são fictícias, mesmo que inspiradas em cidades de verdade - até porque muitas delas são um tanto quanto fantásticas, e esse livro pertence, aliás, ao realismo mágico. Além disso, todas elas possuem nomes femininos como Isidora, Olívia, etc. “O que será que o autor quis dizer com isso?”
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O autor, Italo Calvino |
Outra curiosidade é que o livro de Italo Calvino seria mais ou menos o contrário do que está contido no livro As Viagens de Marco Polo, quando esse descreve lugares e situações vividas no oriente. É como se para nós ele falasse sobre o oriente e pros orientais ele falasse sobre o ocidente.
Ah, outra coisa interessantíssima: algumas cidades possuem características super ligadas à cidades do passado, outras se parecem muito com idealizações do futuro. Marco Polo estaria falando de cidades de todos os tempos?
Porque “Cidades Invisíveis”?
Há muitas teorias que buscam explicar isso. No próprio Clube de Leitura surgiram várias delas. Alguns creem que esteja relacionado com o fato de serem cidades fictícias, ou mesmo com o fato de que Marco Polo poderia muito bem estar inventando todas aquelas informações para Kublai Khan. Há ainda quem diga que elas são chamadas assim, porque o mais importante é justamente aquilo que não se vê nas cidades.
Mas eu gostei muita da teoria apontada pela Tatiana Feltrin, que tem como base um outro vídeo, da série Literatura Fundamental, publicada no canal da Univesp (que eu super indico, aliás). Ela aponta para as diferentes visões que se pode ter de uma mesma cidade, tanto no sentido dos ângulos, quanto no sentido da percepção mesmo. “A cidade que eu vejo, só eu vejo. Ninguém mais vê”, disse ela. Faz sentido, não?!
Isso tudo faz com que essa seja uma daquelas leituras que você pode fazer dezenas de vezes ao longo da vida, e sempre você terá um pensamento, uma resposta ou um questionamento novo. Esse livro e essa leitura evolui conosco, de acordo com a nossa própria evolução e capacidade de interpretação ou conhecimento do mundo. Nos ensinam muito a cada vez. Mas a leitura varia muito também de leitor para leitor.
Fica, então, a dica de leitura para todos vocês.
Um grande beijo.
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