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As cartas que não chegaram | Mauricio Rosencof

Olá pessoas, como vão? 

O livro sobre o qual quero conversar com vocês hoje, chegou a mim quase sem querer, como quem não quer nada, parecendo que seria uma leitura bonitinha, mas para a qual, sinceramente não dei muita bola, porque não sabia muito a respeito. No entanto, quando eu comecei a ler, meus caros, que grande surpresa tive eu. Que grande e bom livro eu tive em minhas mãos. 

Trata-se do As cartas que não chegaram do Mauricio Rosencof. 



Rosencof é um uruguaio. Amigo do ex-presidente José Mujica, eles compartilharam experiências durante o período da ditadura uruguaia. Nesse período ambos foram presos e ambos permaneceram privados de suas liberdades por mais de 11 anos (quase 12). E esse livro vai falar um pouco sobre isso, entre outras coisas. 

Classificado como sendo de memórias, o livro foi lançado no ano 2000 - no Brasil, em português, em 2013 -, e a história se divide em três momentos. O primeiro dele, é narrado pelo menino Mauricio, "Moishe", como é chamado pelos pais. Ficamos sabendo da origem polonesa e judaica da família, que chegou muito recentemente ao Uruguai, buscando abrigo das coisas estranhas que estavam acontecendo a seu povo em toda a Europa - o que mais tarde, viríamos a saber, foi chamado de holocausto nazista. 

Moishe = pessoa de origem judia

Nessa parte - Dias de Bairro e de Guerra - nós vamos acompanhar as memórias desse menino, falando sobre si, seus pais e seu irmão, com uma linguagem bastante infantil até, e muito inocente. São registros de sua percepção de mundo então. E nessa percepção de mundo, ainda um tanto quanto boba, estão incluídas as cartas do restante da família que ficou na Europa, e o que vai lhes acontecer com o passar do tempo. Até que essas cartas não chegam mais. Porque todos foram para os campos de concentração. 

Já a segunda e a terceira parte - A Carta e Dias sem Tempo - , são as memórias de um adulto. Do Maurício já crescido. E são memórias trazidas à tona quase que no formato de um monólogo que se dirige do filho a seu pai - ou aos pais. Fica bastante claro que o texto é escrito muito depois dos acontecimentos, e que Maurício conversa, na verdade, com um pai já morto há algum tempo.

A segunda parte, mais especificamente, é como uma carta para o pai. Há memórias da infância, mas há também as memórias de adulto. Do jovem que foi até a Polônia para conhecer o local de origem de seus pais e também o campo de concentração para onde foram todos os familiares que ficaram. Também há as lembranças da prisão. São cartas que nunca chegaram porque nunca foram escritas enquanto o pai era vivo. Elas existiam apenas no pensamento. 

Mauricio Rosencof
Foto: Latin America Bureau

Já a terceira parte é semelhante a segunda, mas mistura um pouco mais de devaneios com o tom de carta. Tem algo de sonhos, de sensações, de pensamentos, e até da loucura interior. O homem Maurício então parece dizer ao pai, e questionar também, muitas coisas que não foram ditas ou perguntadas quando ele era criança ou jovem, quando eles estavam juntos. Reflexões diversas vêm à tona. Algumas lindas, outras tristes. Todas muito intensas. 

No todo dessas três partes, quando reunidas, podemos tirar algumas coisas. A mensagem mais forte é aquela sobre as atrocidades humanas. A perseguição. A tortura. O nazismo e o holocausto primeiro. As ditaduras depois. E a dor de quem viveu isso direta ou indiretamente - Mauricio viveu a primeira de forma indireta e a segunda, da forma mais direta possível. As marcas que são deixadas por essas experiências. 

Por isso tudo, essa é uma leitura linda e muito forte. Não é uma leitura fácil, não. Há momentos dos devaneios em que nós mesmos nos perdemos em pensamentos. Uma coisa leva a outra e é preciso foco para conseguir chegar onde o autor está nos levando. Mas ao mesmo tempo, não é uma leitura difícil. Ela é fluida de uma forma geral. E bonita de forma a nos deixar presos, sabe? 

E outra coisa muito bonita: o livro termina com algumas fotografias que vão ilustrar muitas das coisas ditas durante o livro. Essas fotos nos colocam no meio disso, nos dão uma uma noção ainda mais forte da realidade e é muito bacana ver aquelas pessoas, que durante a leitura quase se tornam próximas de você também, através das fotografias.

Então, vocês já sabe, né?! Fica a dica. 

E se vocês são assinantes do Kindle Unlimited, aproveitem, porque o volume está com gratuidade no serviço. Vale a pena mesmo. E se não são, o livro físico, hoje, está cerca de R$ 30,00 na Amazon e eu, particularmente, acho que é um investimento legal. A gente precisa prestigiar mais os autores que estão mais próximos de nós, como é o caso dos hispano-americanos, né? 

Então, boa leitura a todos. 

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Ah, como eu disse lá em cima, esse livro caiu nas minhas mãos quase que sem querer - querendo? - numa noite do último verão, depois que eu assisti ao filme 'A noite de 12 anos', que conta sobre esses anos de prisão de Mujica e seus companheiros. Ao fim do filme, eu soube que Rosencof - hoje com 85 anos - é dramaturgo, escritor, jornalista e que atua desde 2005 como Diretor de Cultura da cidade de Montevidéu. 

A noite de 12 anos é outra dica bacana. Assistam se puderem.

Eu fiquei um tanto curiosa a respeito dos livros que ele teria lançado e fiz uma rápida pesquisa. Assim descobri que ele tem uma boa lista de trabalhos lançados e que o As cartas que não chegaram, havia sido traduzido pela Letícia Wierzschowski, uma das minhas escritoras favoritas. Eu fiquei muito, muito interessada e não pude resistir. 



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