Esse é um livro bem conhecido, e muitas vezes sua leitura é pedida ainda no Ensino Médio, em função de vestibulares e tudo o mais, mas por algum motivo, eu nunca o havia lido até então. Na verdade, nunca tive muito contato com a Clarice Lispector. Mas essa foi uma leitura muito bacana que me fez querer ler mais coisas da autora.
De uma forma geral a gente pode dizer que esse livro é sobre uma personagem chamada Macabéa. Ela tem 19 anos, é nordestina, datilógrafa, está morando no Rio de Janeiro e vem de uma vida muito sofrida desde a infância. Ela não pode ser considerada bonita, nem inteligente. Na verdade é feia e muito ignorante, mas nos afeiçoamos a ela por vários motivos, principalmente por pena, e porque olhamos para ela a partir do ponto de vista de um narrador fictício, Rodrigo S.M., que tem um grande carinho por ela.
Aliás, eu particularmente fiquei com a impressão de que esse livro também é sobre o narrador. Porque sabemos muito dele acompanhando sua opinião sobre Macabéa e sobre a vida. Também é um livro cheio de metaficção, porque em muitos momentos acompanhamos o narrador em seus dilemas de enredo, e suas tomadas de decisões, bem como as justificativas para cada uma delas. Isso é bem bacana de acompanhar.
Mas o mais importante nem é isso. O mais importante é o retrato que a autora faz da sociedade a partir de Macabéa, o registro das condições sociais e humanas de um povo, principalmente do nordestino. É preciso lembrar ainda que esse é um livro de 1977, uma época em que as dificuldades enfrentadas pelo povo nordestino eram ainda maiores do que as de hoje. Clarice se utiliza de uma linguagem sutil e crua ao mesmo tempo para falar sobre isso. E essa sua linguagem é repleta de angústia, porque a miséria humana e a ignorância a angustiavam, então ela colocou essa angústia nas palavras do narrador, e o leitor, ao lê-lo, não pode não ser contagiado.
Acompanhamos um breve namoro de Macabéa com Olímpico de Jesus, que logo a troca por sua colega de trabalho. Também ficamos sabendo do diagnóstico de um princípio de tuberculose que a deixa triste e que acaba levando-a a uma cartomante. Esse mulher prevê para a personagem um futuro feliz, onde ela conhece um homem louro e estrangeiro com quem se casaria. E de certa forma, isso de fato acontece, mas numa situação e com um desfecho diferentes do esperado.
Ficam no ar questões sobre a vida. Por que ela é como é? E quem pode mudar essa vida? Além disso, essa pode ser considerada até mesmo uma autoficção. Porque se voc~e pesquisar um pouco sobre a autora, vai observar que ela coloca muito de si em Macabéa, sendo ela também uma nordestina (ucraniana, naturalizada brasileira, ela viveu em Maceió e no Recife, onde cresceu) que foi viver no sudeste, passando por coisas semelhantes na infância e juventude (como crescer sob as vistas de uma tia). Clarisse também gostava muito de cartomantes. E assim como em outros livros, as questões filosóficas e existenciais estão fortemente presentes.
Então, se você também não teve a oportunidade de ler esse livro, eu sugiro que um dia tire um tempinho e o faça. Ele é bem curtinho (cerca de 85 páginas) e rápido de ser lido, ainda que muito profundo. Com certeza verás que vale a pena.
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